sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

RESOLVI PUBLICAR, NESTE 01-02-2014, UM ANO DO ENCANTAMENTO DE PEDRO SIMÕES NETO, UMA APRECIAÇÃO QUE FIZ SOBRE O SEU : "FUNDAMENTOS DA CRIAÇÃO DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DO RIO DOS HOMENS" .










Embriagado de tanto azul azul e inebriado de iluminado verde, a se envolver no calor da poesia de Carlos Pena Filho, o viandante faz a sua peregrinação pelo vale verde, por suas querências, tantas que até já perdeu a conta. Não sei bem desde que horas ele saiu de casa em busca desse mundo "encantado" , desse porvir de estranha felicidade, quando, não mais menino, sai em busca se um mundo que ele teima em aclamar e enaltecer, redescobrindo os próprios passos e banhando-se nas águas enfeitiçadas dos olheiros encantados. Seria talvez a "Manhã da Criação" (de Nilo Pereira), em que se viu acordado e despertando todo o vale, para ouvir o silêncio da hora  e o despertar dos ruídos do cotidiano.
 E ele faz essa viagem de regresso, tomando em suas mãos as aquarelas de Dorian Gray, para rever o tempo que passou como se fosse uma tela mágica, a mover-se e dilatar- se da alma e dos olhos, sobre aquele cenário iluminado do seu olhar de infância. Talvez Van Gogh tenha embebido os olhos naquele paraíso distante e sua íris de artista tenha se infiltrado nos lumes das águas do olheiros românticos a dizerem de esperanças, a conhecerem aquele claustro - a Matriz do vale verde. E lá estava ela, imponente e gorda, soberana e esguia, a bendizer seus filhos! Lá estava a Senhora da Conceição do Rio dos Homens Lembrou-se de muitas coisas, de muita gente, de música e alegrias. Lembrou-se de um vale brejeiro e dos cantadores que executavam seus "hinos" e juntavam gente para ouvir a lira romântica de cada hora, quando o dobre dos sinos anunciava o anoitecer e o vale ganhava sombras dos banquetes e mordomias dos céus, carregados de luz e negror! No dia seguinte as nuvens dançavam de azul e branco, como o manto da Virgem Santa. Durante a sua peregrinação mágica o homem reviu a cidadezinha lobatiana, andou até onde o cansaço não lhe exigiu repouso. Andou por aquela estrada com todo o seu fascínio. Observou os que passavam diante dos seus olhos, revendo a história de cada um, história que ele decantava com rara honra, sem esquecer, absolutamente, de nada e de ninguém. Nomes incansáveis brotavam do seu recordar íntimo, como se diante dele houvessem imensos cartazes com a história de cada um. Mero engano, todo o elenco e enredo dessa incrível memória estavam no script de sua alma, subindo e descendo ladeiras e de onde viam, como alegorias desbotadas, objetos, guloseimas e outras coisas de outrora, incluindo os saborosos confeitos cuquitas, de forma arredondada, que se comprava a tostão e eram a sensação. O menino não esquecia nada, nenhum detalhe, e como bandeiras hasteadas, nomes apareciam na moldura de luz do seu olhar: a figura de Zé Gago com o saxofone, que se não fazia chorar, enriquecia os momentos! Nomes e nomes como: Ilha Bela, Diamante, Capela, Santa Águeda, Oiteiro, Guaporé, nascença! Figuras marcantes como Manoel Pereira, Herbert Dantas, "Major" Onofre Soares, Abel Antunes Pereira, Ruy Antunes Pereira, Jorge Câmara, Lourdinha de Darrow, Cleto Brandão e seu famoso "Café", e outros, muitos outros. Lembrava a feira de cada sábado, na rua principal do vale, variedade de legumes, hortaliças e frutas sem agrotóxicos, além de objetos os mais diversos, e de onde se via algum cortejo fúnebre e, sempre, por alguma razão, a banda-de-música e os folguedos. E se era época de política e por uma coincidência, a boa presença de Frei Damião, ai se garantia distribuição de santinhos e as bençãos do querido beato - um acontecimento abençoado. Recorda, o nosso viandante, sobre as folias momescas de cada ano, quando o vale se enchia de festa e o cordão na frevança, fazia a alegria e na quarta-feira de cinzas, o bom banho de mar, para curar a ressaca! Pedro Simões Neto, de memória infalível, traz esse desfile diante dos nossos olhos, traz o povo cearamirinense ou os que lá viveram, e, diga-se, sem esquecer ninguém! Nesse particular, um capítulo muito enobrece minhas lembranças, quando ele descreve a sua participação na primeira festa de São João, na casa dos meus pais e o revela com um carinho singular, ele, menino, impactado com o encanto daqueles momentos, até então, desconhecidos. Sobre as páginas escritas por meu amigo Pedro Simões, diria, como Antoine de Saint- Exupéry: "...Mais coisas sobre nós nos ensina a Terra, que todos os livros, porque oferece resistência". E o nosso amigo tem sido mestre na arte de lembrar, para tal reúne os cabedais da inteligência e da fidelidade do coração. Depois de vovó Madalena, tia Etelvina, tio Juvenal, Nilo Pereira, Edgar Barbosa, papai e os tios: Vicente e Ruy, o primo Roberto Varela, o amigo Franklin Jorge e o fotógrafo e poeta Gibson Machado, julguei que ninguém, jamais, em Ceará-Mirim, saberia decantar o vale, com os lumes de suas paisagens, sua gente, sua história e o seu encanto. Estava enganada, o vale verde tem o grande memorialista Pedro Simões Neto, com essencial talento, com exuberante sensibilidade e a rica mensagem de amor à memória ancestral do vale. FUNDAMENTOS DA CRIAÇÃO DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DO RIO DOS HOMENS, escrito por Pedro Simões, é uma oração, um momento de fé, a homenagem de quem sabe o quanto merece a arte de bem lembrar! Ei-lo de volta, como menino, cheio de saudade, nesse vôo pela alma dos tempos, na peregrinação mágica, de regresso, guiando-nos pelos caminhos da dor e da saudade. 

O (*) Menina de Ceará- Mirim

sábado, 18 de janeiro de 2014

O BRILHO DE UM ARTISTA - LÚCIA HELENA PEREIRA..


O BRILHO DE UM ARTISTA


 Por que será que aquela estrela, perto da menorzinha (pelo menos vista à distância), o que será que lhe faz ganhar tal brilho, ofuscando as demais? A lua respondeu: É por causa da pureza e bondade do seu coração agradecido e humilde, que a sua luz resplende, com mais intensidade! Começei a apreciar a arte do " cake designer" - ROBINSON CÂMARA - em meados desta década, numa festa de quinze anos. Eu contemplava aquela obra de arte - o bolo - exibindo delicadas nuanças. Perguntei quem seria o autor da rica obra e não obtive resposta. Bem mais tarde voltei a contemplar as sutilezas daquela nobre arte, seus pequeninos e grandes detalhes, a mistura de cores, os laços, as flores, as delicadas guirlandas, os lindos enfeites parecendo organdi branco. Tudo me parecia tão real! Cheguei a tocar naquele pedaço de poesia, quase sentindo a sua suavidade e consistência, como seda, algo fino deslizando sob os meus dedos intrusos. Quanta arte e poesia impreganadas de perfeição, algo inconsútil, emocionante, que fez agradecer a Deus o privilégio de ter olhos sãos, para enxergar aquela aqüarela desmaindo-se sobre tantos e belos tons, e formas - tão castos - e aromas suaves. Saí desse aniversário levando essa visão: o brilho de um artista! Tempos depois fui a outro aniversário e lá estava um bolo azul, com fios e drapeados prateados e brancos. Algo impressionante, quase surreal. Demorei o meu olhar sobre aquele azul poemático, ao mesmo tempo agressivo, pela força da cor! Um azul que comumente chamamos de "cheguei"! E veio ao meu olhar como um poema, não um bolo, um poema-bolo de beleza incomparável. Parecia uma tela, ao mesmo tempo, um quadro de giz, onde era possível escrever com açúcar! Dentro dessas divagações ouvi uma voz: "Olá, Robinson, esse bolo está, simplesmente, maravilhoso"... E Robinson agradeceu e sorriu com simplicidade, dedicando o seu olhar de satisfação, bondade e ternura, à sua explosão emocional, à sua arte, naqueles instantes, sujeita a apreciação do público. Ele sabia que sua arte estava bem acima daquelas pequeninas palavras, sabia do seu talento e irretocável supremacia diante das cores e formas que sabia dar ao seu trabalho. Ele sabia sim, que o seu brilho vinha de algum lugar da sua imaginação, e se expandia! Sabia, acima de tudo, desde menino, assistindo sua mãe trabalhar, com bolos artísticos, que sua fonte iria jorrar. A mesma fonte, a arte, o mesmo talento, aprimorado com novas técnicas através dos cursos que vão lhe emprestando mais criatividade às suas obras. Naqueles breves momentos vi o menino diante do seu bolo azul, um azul forte, profundo! Nele o artista contemplando seus rios, planícies e jardins de estações diversas. Robinson seguiu os rastros do seu sol e iluminou-se do clariazul das florestas, do ouro da aurora boreal, transbordando, da sua rica inteligência, os mais primorosos modelos, cospindo azuis e brancos, vermelhos e dourados, verdes e perolados, arrastando o véu de luz do esplendor de sua alma, borrando e esfumaçando, com a mancha limpa de sua genialidade, a sua criação. Até hoje, ao meu ver, ninguém foi capaz de um conceito maior sobre a arte, do que o pintor italiano Michelangelo, sobretudo quando evoca: "O artista! É bem mais do que um homem. Tem o coração de um deus, creio. Coloca-se entre os homens e Deus, formando entre ambos, um elo intermediário. Vive no mundo, entretanto, tem um mundo em si mesmo"... Com o pensamento lapidar do gênio da arte italiana, rebusco em mim essa contemplação diante do belo, esse êxtase, esse prazer de falar sobre o artista - ROBINSON CÂMARA - que enfeita nossas festas, produzindo em nós emoções distintas, diante da imponência de sua arte. Uma arte palpável, ao mesmo tempo intocada durante algumas horas, para que o espírito do olhar fecundo, faça brotar a sua poesia interior e se manifestar em ouro, luz, claridade! E ROBINSOM tem essa luz, esse brilho intenso. Ele é um artista por excelência. As cores são a família do seu trabalho; as luzes - seus irmãos espirituais; as flores - suas cúmplices diletas, as formas...são toda a sua catarse emocional que procede da beleza majestosa de suas obras! A arte de Robinson Câmara é a poesia molhada na glace daquela hora...que se faz eterna! 

 (*) Lúcia Helena Pereira Escritora,

AJEBIANA ROSA FIRMO FAZ APRECIAÇÃO SOBRE LIVRO DE NIRVANDA MEDEIROS





AJEBIANA ROSA FIRMO FAZ APRECIAÇÃO SOBRE LIVRO DE NIRVANDA MEDEIROS

 Minha cara Nirvanda,

 Quando adquiro um livro meu desejo é ler de imediato, leio o prefácio, a apresentação e me empolgo para desbravar o texto. Como presente de Natal recebi alguns livros, inclusive o seu, “Vivenciando Passos – Um caminho construído com amor”. A temática logo me chamou a atenção e o contexto em que se passava a história, pois, o mar e sertão se fundem em mim. Para deleite enquanto degusto a leitura de um livro, costumeiramente faço minhas anotações. Com seu livro não foi diferente, após a conclusão da leitura e minha apreciação produzi este texto. Sempre observei como são nítidas as diferenças entre o litoral e o sertão, no entanto, em termos econômicos e sociais não fogem às semelhança em relação ao processo do desenvolvimento, tudo foi acontecendo lentamente em ambos, enquanto isso homens de coragem e fé como os personagens “Joaquim e Felismina" como você destaca; estes foram os desbravadores, os construtores do progresso em décadas passadas no litoral de Camocim. Assim também aconteceu em outras regiões do Ceará, muitos personagens transformaram paisagens áridas, fizeram histórias análogas a sua. Os personagens moradores do “Lugarejo,” esse paraíso que você descreve, mesmo pobre economicamente, mas de uma nobreza singular, literalmente rica de qualidades e valores morais e espirituais mostra quanto o homem de fé é criativo e capaz de transformar e dar rumos à história. A natureza exuberante do “Lugarejo”, cenário em que você coloca os personagens representados por pessoas simples, desprovidas de bens materiais, porém sábias para lidar com as riquezas do mar, do mangue, enfim, tudo que o litoral oferece para sobrevivência, faz-nos reportar à Pasárgada de Manoel Bandeira. E isso impulsiona o leitor questionar que existia um paraíso perdido, e este lugarejo constitui-se, porém não somente de belezas naturais, bem como de personagens vivos espiritualizados, corajosos que sobreviveram com as dificuldades com determinação. Ao longo da narrativa você tece numa linguagem singela, o perfil de uma família equilibrada, personagens que são modelo de inúmeras famílias nordestinas, sejam elas sertanejas ou litorâneas, que percorreram caminhos espinhosos, enfrentaram perdas e ganhos, porem com fé e coragem conquistarem seus ideais; especialmente granjearam uma melhor condição para seus filhos. Assim se constitui a nossa história, que por vezes somos personagens e autores ao mesmo tempo. Providencialmente, vale ressaltar que suas memórias revelam a sua essência, são retalhos do passado que saltam de suas entranhas como reminiscências de um passado cheio de sentimentos bons, de felicidade. As mensagens entremeadas ao longo do texto romanceado mesmo fugindo o roteiro, representa seu perfil de educadora, que deseja repassar para o leitor reflexões e lições de vida. Parabéns, Nirvanda, por mais um legado para as novas gerações. 

 Rosa Firmo

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

PALCOS DA INFÂNCIA - LÚCIA HELENA PEREIRA



 “Onde as lâmpadas ardem, ficam manchas de óleo; onde se acendem velas, ficam sinais de cera; só as luzes do céu esplendem puras e imaculadas”. Goethe

 • Nesta página protagonistas das histórias de minha infância. Luzes acendendo caminhos e colorindo as paisagens de minhas diletas lembranças. Por conseguinte, aos que me permitiram guardar e relembrar:

 • Tributo aos CHIQUINHA E BILILIU (companheiras de infância) PIÔ E MAROCA (contadoras de estórias) 
 Dona BILUCA (rendeira de almofadas de bilros) 
 QUINCAS E LEBRE (empregados da casa fascinados pelo trem) “Compadre” JOAQUIM GOMES (tocador de rabeca).

No vale verde deixei as mais belas e ricas imagens, estórias, paisagens e vozes que ainda vivem em mim e vão reabrindo cenários festivos, como desenhos animados, alegrando e colorindo a minha tela mental. Fiz questão de transcrever os vocabulários - bem jocosos - pela fidelidade às minhas lembranças e para honrar aqueles que deram inspirações às minhas recordações. Portanto, pela poesia que flui dessa linguagem e me leva a uma época distante (e tão próxima)! 

Aqui, nestas breves páginas, o prazer de reviver um tempo cheio de amenidades. A certeza de que, nos protagonistas da história dessas estórias está o mais puro ouro da ingenuidade, que é o poema dos que se fizeram maiores! 

  PIÔ E MAROCA 
 Nesse gigantesco mundo lobatiano, não poderiam faltar as contadoras de estórias: Piô e Maroca. Duas figuras humanas sempre relembradas por mim, pelos familiares, amigos e conterrâneos, quando abordamos os bons tempos em Ceará-Mirim. 
As duas senhoras moravam perto da nossa casa. Eram solteiras e deviam ter, àquela época, entre 50 a 60 anos. Ninguém as via pela manhã, lembro-me da porta verde-ferrugem da casa delas, geralmente trancada durante o dia. Quando o sol vespertino começava a desmaiar no horizonte, lá estavam as bondosas senhoras, com os vestidos iguais, redinhas nos cabelos, sandálias de “rabicho” e as cadeiras na calçada (esse “palco” era armado todas as tardes). Elas sentavam-se em cadeiras de balanço e colocavam mais quatro cadeirinhas de vime à disposição dos que chegavam. Quando a platéia aumentava, o chão era uma boa opção. Só começavam a contar as estórias, quando todos já haviam se sentado, afinal, não gostavam de ser interrompidas. Piô respirava fundo, dava uma revirada nos olhos e dizia: “Um dia, bem distante, num lindo reinado, num castelo d´ouro...” e, assim por diante podíamos compartilhar das suas ingênuas narrações. Quando Piô se cansava, Maroca continuava e, ao final da tarde, havíamos chorado tanto que mamãe vinha abordá-las: “O que será que vocês contaram que as meninas ficaram tão comovidas, minhas amigas?” Piô respondia com meiga voz: “Ixe! Só istorinhas inucentes qui dão cumixão na aima (alma) da gente...” As minhas irmãs,  mais velhas do que Iara e eu, também gostavam da companhia delas e sempre lembravam que ambas costumavam tomar café e emborcar as xícaras usadas sobre os pires, numa mesinha ao lado do tanque de alvenaria, com água de um poço no fundo do pequenino quintal. As minhas irmãs acabavam lavando a louça.
 Diante da casa, bem no meio da rua, haviam várias árvores onde os pássaros descansavam ao crepúsculo. Esses pássaros, humildes pardais, tinham estórias fantásticas, inventadas por elas e nomes bem diferentes, despertando a nossa curiosidade: “ispia só, aquele açulá (e apontavam para qualquer um que pousasse num galho) veio das Oropa e é bem cunhicido pulo nome de Artrimbico; o de lá (a gente olhava e via outro pardal) veio das terra dos vurcão e todo mundo sabe qui si chama Runã; tem outro, o qui tá bem incuído, qui veio nu´a rivuada dos mericano e pur sê bem sabidim se chama Dragonim; mais tem um, santo Deus, atrivido qui nem presta, vive cumendo as migaia dos rico e veio das banda dum castelo lá das terras de Moisés, pegou inté o nome de Salumão”...e, assim por diante os pardais eram nomeados e seus currículos discursados pelas inocentes e bondosas senhoras, que, bem antes das dezenove horas já estavam roncando nas cadeiras. Lembro do ronco de Piô, agudo e forte, nos intervalos entre a inspiração e expiração. Nessas alturas, colocávamos os xales em seus ombros e saíamos devagarinho. Deixa que esses roncos eram só disfarces para que fôssemos embora, pois, mal nos movimentávamos, víamos seus olhos se abrindo e elas fingindo que estavam piscando: "rão simbora mininas, tamo cum sono dimais chega as pestana dos óios da gente tão pregando nas orêias”...

Saí dos vale prestes  completar sete anos. Nunca mais ouvi suas vozes e nem si como acabaram. ficaram as "istórias" que  trago em minhas saudades!

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

UM MUNDO LOBATEANO, SÓ MEU, REPARTO EM PENSAMENTO COM AS MINHAS AMIGUINHAS DE INFÂNCIA - CHIQUINHA E BILILIU.



MEUS PAES QUE SÓ ME DERAM AMOR


CHIQUINHA E BILILIU

 Lúcia Helena Pereira 

 Eu tinha cerca de três anos, quando iniciei, por exigência de mamãe, aulas de alfabetização com Valdinha (Valdecir Vilar de Queiroz Soares). Que doce e suave presença humana em minha vida! Sua casa cheirava a flores. De longe sentíamos os aromas do seu jardim -um verdadeiro éden- espargindo dos cravos, dálias, jasmins, rosas, bogaris, jasmim-vapor, resedás, margaridas e outros espécimes vegetais que me enchiam de encantamento. Na casa branca havia um terraço adornado com um conjunto de cadeiras de ferro e o balanço; jarros com beijos de várias cores; a cisterna (provocando-me uma sensação indizível) cortejada pela poética sombra de um caramanchão, cuja trepadeira exibia em seus galhos, pequeninas e mimosas rosas. Relembro as árvores do quintal: os pés de carambolas, laranjas da terra, pitangas, maracujás (imiscuindo-se nesse reino e acasalando-se com a exuberante trepadeira). Ouço, como se fosse hoje, a cantiga das cigarras envaidecidas seduzindo aquele cenário! Ao sair da aula, diariamente, lá estavam as minhas companheiras dos meus dias de infância: Chiquinha e Bibiliu (filhas de Inês, a ama-de-leite das crianças da nossa família). Suadas e esbaforidas, com os cabelos arrepiados, logo anunciavam (pareciam anjos com suas trombetas): “Luça, tu nim sabe qui vimo um sapo seco e isturricado. Tava virado de papo pra riba, pertim da arvre da isquina do berro (a esquina da minha casa, onde um carneirinho apartado da cabra, berrava com dilacerante mágoa). O danado do sapo tá é dando siná de coisa rim, vombora logo interrá o bicho nojento, mode num pegá rindade im nós...” Elas deveriam ter cinco e seis anos (pareciam gêmeas). Eram alegres, criativas, sempre satisfeitas, irradiando felicidade (de onde viria a felicidade dessas humildes criaturas, que amanheciam e anoiteciam em nossa casa?). Astuciosas (longe dos olhos de mamãe e de Babá), certa vez apareceram com massa crua de pão e fomos para o quintal da casa. Lá, elas fizeram bonecos e bichinhos, utilizando caroços de frutas para fazerem os olhos. Estavam “com a mão na massa” quando surgiu o dono da padaria (“c´as venta inguá os bueiros do ingenho baforando fumaça”)- segundo Bililiu. “São essas duas espevitadas, senhor Abel e dona Áurea, mal tive tempo de impedir que me levassem boa porção de massa, logo deram no pé. São umas pestes, não deviam deixá-las com a filha de vocês...” (desabafou irritado). E papai, com a sua peculiar bondade, lhe disse: “Ora meu caro, são apenas crianças, pagarei os prejuízos...” Infelismente mamãe proibiu - me de brincar com as meninas durante uns dias, restringindo-me ao lazer com a mana Iara e algumas primas. Depois, pedi - lhe, encarecidamente, que mandasse buscar minhas amiguinhas. No dia seguinte, ao sair da aula, as minhas tristezas foram recompensadas com a chegada barulhenta das diletas companheiras, que, alheias às humilhações sofridas anteriormente, traziam uma euforia contagiante: “Si Luça subesse, conto a gente brincô! Cumemo bolo de fubá na casa de dona Rosinha, a moça véia da Ingreja, que deu retaios mode nóis fazê vistidim pras bunecas. Fizemo de chita, de fustam, de bolinha e preguemos inté butão de ôro. Fumo vê armá o circo qui tinha girafa, lião, trigue, macaco e vimo os povo si pindurando n´aquelas corda cum tárbuas in tempo de cairim” (eram os trapezistas Mascotinha e Mascarenhas ensaiando para se apresentarem no circo). Impregnada das emoções daquelas novidades, essas “cenas” me pereceriam, hoje, ilustrações de um livro, do escritor Louis Carrol, deixando-me penetrar, a cada instante, no reino encantado das maravilhas de alguma Alice. Eu tinha esse mundo em minha cabeça e em meu coração. Vivia-o com intensidade, sempre distante dos rigores de minha sábia mãe e dos olhares de Babá (Regina Dias). Num desses dias de chuva forte (o vale ficava carregado de nuvens choronas), elas chegaram como presenças ensoloradas, sorrindo, pinotando, cantarolando e alegrando o ambiente. Traziam, com orgulho ímpar, um cachinho de flores “fisgado” dos jardins espalhados pelos caminhos. Bililiu, bem mais falante, fez uma leve vênia e disse: “Florinha mode Luça infeitá seu artá” (um oratório que mamãe colocara em meu quarto e de Iara, onde a imagem de Nossa Senhora da Conceição se destacava). Depois, da mochila de pano que sempre traziam com elas, foram tirando papel prateado (que revestia as carteiras de cigarros). Esses papelotes eram colados uns nos outros (cola artesanal, feita em casa). Ao secarem, davam um acabamento nas bordas brancas, com anilina de cores variadas (da caixa de trabalho de mamãe) e estavam prontos os colares. Dias depois, quando as chuvas saíam de férias, ficávamos no calçadão da minha casa, sentadas em tamboretes da cozinha para vendermos os colares. Elas imploravam: “Compre um colá que é do Rio de Janeiro; esse roxim e esse azuzim custa um tustão, o de prata é doistões. Cheque, se avexe, compre ó meno um...” No final da tarde, os colares estavam amassados e desbotados e o humilde comércio, logo falido! Eram brincadeiras inocentes, sem nenhuma malícia. Falando nisso, um dia fomos à casa de dona Amélia Barroca, perto da linha do trem, do outro lado da nossa rua. Dona Amélia vendia as mangas rosas mais belas e perfumadas, enfurnadas num baú de madeira, com folhas de bananeiras. Logo na entrada viam-se vários pés de malícia que Chiquinha e Bililiu cantavam: “Sai malícia, teu nome é priguiça, vai drumi n´outo pasto qui aqui ocê num tem vez!” E dona Amélia abria um sorriso largo e nos abraçava dizendo palavras carinhosas e presenteando-nos suas lindas mangas. Que terna lembrança dessa boa senhora! Creio que Chiquinha e Bililiu continuam brincando, em algum lugar, trepadas em mangueiras, goiabeiras, assobiando como os passarinhos, olhando os circos e fazendo figurinhas com massa crua de pão. Onde estarão? Como reencontrar esses “mitos” da infância? Essas vozes que ouço em meus momentos de contemplação e de poesia? “Arre, Luça, tás pirigando pegá catapora de nóis. Ramo vê cumo vai ficá se coçando, cum a cabeça duendo e os óios pegando fogo cumo brasa. Mai tem que ficá na cama e tumá bain cum fôia de sarsa isquentada, mode muxá as boinhas (bolhinhas)...” (Bililiu) “Eu num digo nadim e só vô alertá uma veiz, pra num dizerim qui sô rim: o tá de Zeca qui mora pertim do cimitero anda vendo arma de tudo que é gente. Ele viu arma inté do finado Suares qui morreu im Sum Paulo. E cumo é qui uma aima doutro canto vem isbarrar pur essas banda? Vumboro usá figa mode afastá essas arma. Tô inté tremendo cumo vara verde e num duvidio qui esse cundenado vem pegá in n´eu hoje de noite!” (Chiquinha). Essas palavras ressoam em meus ouvidos, até hoje, como sinfonias diletas.

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COMENTÁRIO DO AMIGO E ESCRITOR: EDUARDO GOMES DE CARVALHO (*)


COMO VOCÊ ESCREVE BEM! O MEL DE SUAS PALAVRAS ESCORREM DOS BUEIROS DA SUA ALMA, PARA OS GRANDES TACHOS E ACABAM EM POESIA.
VOU REGISTRAR NO BLOG. A CPU ESTÁ MORRE E NÃO MORRE...

TE AMO. GRATA, L.HELENA
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LÚCIA HELENA, 

Você, como sempre, me emociona muito ao evocar suas lindas lembranças dos tempos imemoráveis do Ceará-Mirim. Acho impressionante como as coisas boas e verdadeiras se repetiam nas gerações antigas, pois revi na sua narrativa o mesmo carinho e amor que sua avó  Madalena, nutria pelas crias do Oiteiro... Eram dádivas que herdávamos gratuitamente e que repassávamos aos mais novos naturalmente.
Infelizmente quase tudo se perdeu na atualidade e as novas gerações apenas contam com o modernismo dos brinquedos tecnológicos e da internet, tudo totalmente destituído de calor humano e de valores sentimentais de real qualidade.
Quem saberá doravante o valor dessas reminiscências amorosas e destituídas de qualquer traço negativo? Quem sorverá o gosto saudoso desse mel, que era a amizade pura e independente de casta ou origem social?... Infelizmente, os mais jovens serão, com certeza, bem menos felizes que os seus antecessores e não poderão trazer em seu âmago essa centelha poética que lhe caracteriza, pois não sabem o gosto singelo e impar das coisas mais simples e puras que a vida pode nos oferecer.
Vida longa  a todas às "Paticas", "Chiquinhas" e "Bililius", que habitarão sempre os corações das poetisas e dos poetas.

Grande abraço.

Eduardo Carvalho.